Cleópatra é o nome de um dos asteroides que orbitam o Sol, na região entre Marte e Júpiter. Há cerca de 20 anos, esse astro rochoso foi apelidado de “osso de cachorro” em função do seu formato e, em 2008, cientistas identificaram que ele tem duas luas — AlexHelios e CleoSelene, em alusão aos filhos da rainha do Egito. Agora, especialistas conseguiram dar um passo a mais e aprofundar o nosso conhecimento sobre esse peculiar corpo celeste.
Graças ao Very Large Telescope (VLT), do Observatório Europeu do Sul (ESO), foi possível obter as imagens mais nítidas e detalhadas do asteroide, captadas entre 2017 e 2019. Devido ao sistema de óptica adaptativa avançada, o telescópio é capaz de corrigir as distorções causadas pela atmosfera terrestre que faz com que os objetos fiquem desfocados (fenômeno que faz com que as estrelas “cintilem” para nós). Assim, os cientistas obtiveram imagens do “osso de cachorro”, que está a aproximadamente 200 milhões de quilômetros da Terra, mas parece ter o tamanho de uma bola de golfe a 40 quilômetros de distância.
A partir desse material, a equipe observou Cleópatra de diversos ângulos, criou modelos 3D e pôde determinar, da maneira mais precisa já vista, as características do astro. Os astrônomos descobriram que um dos lóbulos do “osso de cachorro” é maior que o outro e que o asteroide tem um comprimento de cerca de 270 quilômetros, o equivalente a metade do Canal da Mancha. As conclusões constam no artigo (216) Kleopatra, a low density critically rotating M-type asteroid, liderado por Franck Marchis, astrônomo do Instituto SETI, nos Estados Unidos, e publicado na revista Astronomy & Astrophysics.
Em outro trabalho disponível no mesmo periódico científico e intitulado An advanced multipole model for (216) Kleopatra triple system, pesquisadores liderados por Miroslav Brož, da Universidade de Charles, na República Tcheca, utilizaram as imagens do VLT para corrigir as órbitas das duas luas de Cleópatra, que já haviam sido estimadas por estudos prévios, mas que, segundo as recentes observações, estavam equivocadas.
“Isso precisava ser resolvido, porque se as órbitas estivessem erradas, todo o resto também estaria, incluindo a massa de Cleópatra”, explica, em nota, Brož. Uma vez compreendida a influência da gravidade do asteroide nos movimentos de AlexHelios e CleoSelene, os astrônomos conseguiram determinar as órbitas complexas das luas e calcular a massa do “osso de cachorro”. De acordo com os novos cálculos, esse número é 35% mais baixo do que se pensava.
Além disso, com os valores atualizados de volume e massa, os cientistas descobriram que a densidade de Cleópatra corresponde a menos da metade da densidade do ferro: são 3,4 gramas por centímetro cúbico, e não 4,5 como investigações anteriores indicavam. Acredita-se que o “osso de cachorro” tem uma composição metálica e, considerando a baixa densidade, uma estrutura porosa que pode ter sido formada a partir de um acúmulo de material ocorrido após um grande impacto.
Essa estrutura e a forma como Cleópatra gira sugerem que o próprio asteroide seria responsável pelo surgimento das suas luas. A velocidade de rotação do “osso de cachorro” é considerada quase crítica e, por isso, até mesmo colisões pequenas podem arrancar pedregulhos da superfície do astro. Uma das hipóteses é de que essas pedras poderiam ter formado AlexHelios e CleoSelene.
“Cleópatra é realmente um corpo único no nosso Sistema Solar”, diz Marchis. “A ciência progride muito graças ao estudo de objetos estranhos, e acredito que compreender esse asteroide pode nos ajudar a entender mais coisas sobre o Sistema Solar”, complementa. Agora, a expectativa é de que o Extremely Large Telescope (ELT), um equipamento do ESO que deve ser inaugurado em 2027, possa trazer ainda mais detalhes sobre o “osso de cachorro” e outros asteroides distantes de nós.
Fonte: Revista Galileu